sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Estoril. Um regresso à casa de partida

Sozinha. Era assim que estava aquela senhora no António Coimbra da Mota. Não consigo adivinhar a vida dela, não consigo imaginar. Talvez aquele estádio seja a sua companhia, nem que seja uma hora e meia por fim de semana para apagar tudo. Não sei. Só sei que me ensinou uma lição gigante: já não sabia como era saborear um jogo de futebol. Ela sabe, e tão bem.


Quando me sentei, senti-me em casa. Afinal, era aquele o relvado que outrora pisei quando era apanha-bolas ou, mais tarde, quando fomos premiados pela direcção nos iniciados e nos deixaram lá jogar contra o Atlético, só porque estávamos a fazer um ano perfeito. Perdemos. Foi galo, mas vivemos um sonho. Desta vez eu estava sentado para ver os homens vestidos com a camisola amarela que usei e os calções azuis que (não) sujei - admito - contra o PSV, o líder da liga holandesa, que venceu a Liga dos Campeões em 88 e soma 21 campeonatos no bolso.

O primeiro déjà vu assombrou-me quando um miúdo se sentou na bancada com o pai e, ao primeiro drible de Kuka, se levantou e aplaudiu. Os olhos brilharam. Era isto que sentíamos antes, era assim que deveria ser. Eternamente. Bastavam 45 minutos para aquela gente poder dizer que viu ao vivo o Estoril, uma equipa que já viram sofrer e penar na IIB, bater o grande PSV. Foram dos 45 minutos mais intensos que vivi num estádio de futebol. É que ver jogadores que andaram em divisões mais humildes a bater o pé a meninos como Wijnaldum, Guardado, Depay e Luuk de Jong tem muito que se lhe diga...

Mas esqueçam o jogo. Foi aquela mulher que me fez recuperar a password deste blog, já imundo e esquecido. Escrever na folga (brilhante, Tabarez)... Serena, olhos enfiados no relvado e atenta. Só percebi a dimensão do fenómeno quando Tozé fintou um holandês, num lance que tinha tudo para correr mal, e a vi cerrar os punhos e a olhar para eles. Foi como um golo. Bom, ou ando de coração mole ou não sei, aquilo deixou-me KO. Volta e meia gritava um "FORÇA ESTORIL!!!" ou "cruza isso bem pa!!!". Tudo normal, até que chegou a desilusão.



Numa jogada que nem parecia muito perigosa, bastava Tozé aliviar para longe, o pé bateu mal na bola e ela sobrou para os holandeses. Wijnaldum, número 10 e capitão, não perdoou. A senhora foi então abraçada pela desilusão, sem saber muito bem o que fazer. Lá se levantou e perguntou aos homens da rádio se não estaria fora de jogo, afinal foram tantos metros a galgar sozinho. Mas não, o passe tinha saído dos pés de Tozé, o herói contra o FC Porto. A senhora voltou então ao lugar, com os braços caídos, a pesar 300 quilos. Estava derrotada. Mas durou apenas dez segundos: "VAMOS ESTORIL!!!". Que lição. Cada lance de ataque era coisa para ter um fanico. Levava as mãos à cabeça, ralhava e puxava por eles. "Para que fizeste isso?!". Voltou a perguntar aos homens da rádio por um penálti, quando viu Kléber cair na área. Mas nada...

Delicioso. Antes do final da partida, que ditaria a eliminação da Liga Europa, levantou-se dignamente, dobrou a almofada feita de cartão e seguiu caminho. Naquele corredor que separa o relvado das bancadas, caminhava com os olhos no chão, com a alma dorida e a cabeça a dizer "não" enquanto Yohan Tavares, Diogo Amado e companhia lutavam por cada metro de relva. A desilusão era a sua sombra. Perdi-a de vista. A ela e ao sonho de permanecer na luta pelo apuramento. Os jogadores caíram de pé e, por isso, foram aplaudidos com tanto orgulho pelos adeptos nas bancadas (também os jogadores holandeses mereceram palmas). Talvez pudessem imaginar que jogam contra o PSV todos os domingos... Eu levantei-me, ajeitei o casaco e caminhei no mesmo corredor que a senhora havia percorrido. Tinha saudades do Estoril. Eu senti-me em casa, mas percebi que provavelmente estaria na casa dela. O que terá ido fazer depois? Pagava para saber...

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